Agentes de Segurança Pública juntamente com os agentes da Pastoral Carcerária no Presídio de Ponte Nova (MG).
Nos dias 30 e 31 de maio, os encarcerados presentes na Arquidiocese de Mariana viveram a graça de celebrarem o Jubileu da Esperança 2025, proposto pelo saudoso Papa Francisco. O Jubileu contou com a presença da Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Silvia Pfaller.
Irmã Petra, juntamente com o Assessor Arquidiocesano, Diácono Fábio Márcio de Freitas; o Assessor da Região Pastoral Mariana Leste, Padre José Geraldo da Silva (Padre Juquinha); a Coordenadora Nacional para a Questão da Mulher Presa, Magda de Fátima Oliveira e vários agentes da Pastoral visitaram os presídios de Ponte Nova (MG), Mariana (MG) e Ouro Preto (MG), compartilhando o Evangelho de Cristo com cada pessoa privada de liberdade, incluído o Hospital Psiquiátrico Jorge Vaz, em Barbacena (MG).
Durante as visitas, foram feitos vários atendimentos pessoais e comunitários, bem como se celebrou a Santa Missa com os presos. Mais de 350 pessoas receberam a absolvição de seus pecados, através do sacramento da confissão, no presídio de Ponte Nova. Nos demais, as graças do Ano Santo Jubilar também estiveram presentes através desse sacramento e dos demais ensinamentos da Igreja Católica.
Além das visitas, os agentes conversaram com a Defensoria Pública, com o Diretor Geral dos presídios do Estado de Minas Gerais e com os Diretores dos Presídios locais sobre a realidade presente dentro dessas unidades.
Agentes da Pastoral Carcerária Nacional e da Arquidiocese de Mariana.
Para a Irmã Petra, esse trabalho é “desafiador e complexo” devido às várias situações difíceis que existem dentro dos presídios brasileiros.
Ela conversou com o Departamento Arquidiocesano de Comunicação (Dacom) sobre essa situação e a missão da Pastoral Carcerária diante dessa realidade.
Irmã Petra Silvia Pfaller
Dacom: Como a senhora vê a realidade prisional no Brasil?
Irmã Petra: A Pastoral Carcerária é uma das vozes das pessoas encarceradas. O Sistema Prisional no Brasil é muito violento, muito torturante. As pessoas presas, homens, mulheres, sofrem violência praticamente 24 horas. Existem duas maneiras de tortura: o espancamento, bomba de gás, etc, que acontece muito dentro do cárcere, e a outra é tortura estrutural, que é não ter lugar para dormir, não ter uma comida decente, não ter água limpa, o à saúde, é a superlotação, etc. Eu visitei os presídios de Ouro Preto, Mariana e Ponte Nova e estão superlotados, em um espaço com 10 camas, tem 15 pessoas e sem um lugar descente para fazer suas necessidades fisiológicas e isso configura tortura. Todos os preceitos dos direitos humanos estão sendo violados dentro do cárcere, e, nesse ambiente, nós, da Igreja Católica, entramos para visitar essas pessoas.
Dacom: Como é a missão da Pastoral Carcerária no mundo dos cárceres?
Irmã Petra: A Pastoral Carcerária, primeiro, é uma presença gratuita da Igreja, nós não levamos Jesus no cárcere, nós não levamos a palavra de Deus no cárcere, porque Jesus já está lá. Eu estive preso, você me visitou (Mt 25, 36). As pessoas da Pastoral Carcerária têm o grande privilégio de visitar o Jesus encarcerado, isso é bonito. Diante disso, nós temos duas colunas fortes. Uma é a evangelização, propriamente dita, que é a partilha da Palavra de Deus, oferecendo cursos, fazer a celebração da Santa Missa, como exemplo, em Ponte Nova fizemos a celebração Eucarística, sendo que no dia anterior, 350 pessoas tiveram a graça de se confessar, isso é a evangelização propriamente dita. A outra coluna forte é a promoção da dignidade humana, de conversar com os diretores e com o Estado, para dar-lhes mais dignidade, já que estão presos sob custódia do Estado. Ter um espaço digno, enquanto cumprem suas penas e os agentes da Pastoral visitam, semanalmente ou a cada quinze dias para ser testemunhos da esperança e testemunhos desse amor misericordioso de Deus.
Dacom: Como o Ano Santo pode ajudar nessa missão?
Irmã Petra: O Ano Jubilar é um ano muito forte para nós. Graças a Deus, o saudoso Papa Francisco, que foi um agente da Pastoral Carcerária, sua última visita fora da cidade de Vaticano, foi em um Presídio. Ele nos presenteou com seu carisma e esse ano jubilar é muito forte, é o ano da esperança, o ano da misericórdia.
Dacom: E o que significa isso para a pessoa presa?
Irmã Petra: Significa o perdão, a Indulgência Plena, que é o perdão. Mas o ano da esperança não é só um caminho espiritual, pois a pessoa presa não pode fazer a peregrinação, então, nós vamos até eles. O Papa Francisco falou que a cada vez que vocês entram no cárcere e fazem uma visita lá, vocês am por uma porta santa. Isso é muito forte ao visitar as pessoas encarceradas e eu sempre desafio a nossa igreja, as nossas comunidades de celebrar a indulgência, que é o perdão, o qual a cada 50 anos se celebra, segundo o Antigo Testamento, é para perdoar as dívidas, libertar os escravos. É um grande desafio para nós fazermos esse exercício de perdoar e, também, fazer as incidências políticas. Por exemplo, em Mariana, por que não fazer uma audiência pública na Câmara Municipal para pautar o assunto do cárcere, discutir, conversar, escutar os familiares. Como que está sendo o presídio aqui, Mariana? Em Ouro Preto, em Conselheiro Lafaiete e nas demais cidades? Seria um caminho concreto para pautar esses problemas dentro do Ano do Jubileu, um caminho espiritual.
Dacom: Qual a sua expectativa ao visitar alguns presídios que estão dentro da Arquidiocese de Mariana?
Irmã Petra: Olha, eu sou muito privilegiada em fazer essas visitas no Brasil todo. Quem mais ganha sou eu, porque é uma experiência bonita. E o que a gente propõe é trazer mais informações e partilhar conhecimentos. Para nós é importante conhecermos a realidade aqui, pois em algumas situações que, às vezes, acontecem, nós podemos fazer articulação a nível estadual ou até em Brasília. Como nacional, nós temos muitos contatos no Governo Federal, em Brasília (DF), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Ministério da Justiça. Por isso, é importante para nós conhecermos essa realidade daqui. Tem uma coisa que eu percebi nessas visitas, que é a importância que os policiais penais e a direção saibam que a Pastoral Carcerária não é só um grupinho de pessoas que fazem visitas, mas que somos uma Igreja que anda junto no Brasil todo e na América Latina. A Pastoral Carcerária é a presença da Igreja dentro das prisões. Não é a pastoral da Dona Maria, da Dona Teresa, é a Pastoral Carcerária da Igreja Católica. Para os profissionais de segurança é bom que percebam a grandeza dessa Pastoral.
Dacom: Qual a visão da Pastoral Carcerária em relação a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC)?
Irmã Petra: Eu quero deixar bem claro que a APAC e a Pastoral Carcerária são duas entidades distintas, embora nós temos agentes da Pastoral que trabalham na APAC. A APAC é uma prisão, porém privatizada, é uma empresa sem fins lucrativos. É privatizada no sentido de que o Estado rea para ela alguns presos para tentar ressocializá-los. Nós visitamos a APAC, como visitamos qualquer presídio comum. Contudo, nós temos visão crítica, seriamente, nessa questão da APAC. O Estado de Minas tem quase 40 APACs que atendem poucas pessoas e as outras 12, 15 mil que ficam nesse cemitério dos vivos? Quem escolhe as pessoas que vão para a APAC? Quem não pode ir para lá? Como é feito o processo de seleção? Embora na APAC todos os direitos sejam garantidos, eles trabalham, têm atendimento psicológico, jurídico, têm contato com a família, têm lugar descente para dormir, têm comida decente, ali todos os direitos na execução penal são assegurados, mas e os outros 15 mil? Por ser tão boa a APAC, por que o Estado não implanta a metodologia da APAC em todos os lugares? Existe um documento do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM), da Pastoral Carcerária América Latina, que se chama “O Mundo Sem Cárcere”. Nele fala que o cárcere não é o sonho de Deus, no reino de Deus não cabe prisão, cabe escola, hospital, mas não cabe prisão.
Dacom: Qual seria o modelo adequado de ressocialização e a evangelização dos presos?
Irmã Petra: O ideal seria um mundo sem cárcere, porém pensamos que seria importante as políticas públicas de saúde, de educação e outras, isso seria fundamental para trabalhar a prevenção diante dos erros que podem vir a ser cometidos, porque eu não acredito que no cárcere aconteça ressocialização. Dentro dos presídios eles trabalham, fazem artesanato, etc, coisas lindas, mas se a pessoa sai e fala que esteve preso, que fez artesanato lá dentro durante cinco anos, será que vai conseguir um serviço? Será que as pessoas vão acolher um preso com tornozeleira eletrônica para trabalhar? Nossas comunidades falham muito no acolhimento a essas pessoas, em acolher os seus familiares, porque o preconceito é grande. Isso, sem dúvida, é uma grande tarefa para nós, o pós-cárcere, o de acolher. A alternativa dessa justiça criminal, que é muito vingativa, é a Justiça Restaurativa, que não é punitiva, não é vingativa e opta pela responsabilização. A Justiça Restaurativa não a a mão na cabeça da pessoa, do tipo, que não fez nada, a gente não é ingênuo também. Mas ajuda para que a pessoa se responsabilize pelo ato que fez. E um outro ponto da Justiça Restaurativa, que eu acho muito importante, é a que acolhe a vítima, a dor dela que é legítima. A justiça comum não a acolhe. Se ela não pode expressar a sua dor, não pode ser acolhida, entendida, compreendida e amada, entra num ciclo viciado de vingança. Além disso, a Justiça Restaurativa também acolhe toda sua família, porque a família também é vítima e essa questão é importante ser trabalhada. O Tribunal de Justiça em todo o Brasil está trabalhando muito nesse projeto sobre a Justiça Restaurativa e nós, da Pastoral Carcerária, tem a grande prioridade, de formar facilitadores. Nós formamos já mais uns 3 mil agentes da Pastoral Carcerária como facilitadores de círculo de paz, que são dinâmicas específicas que fazemos dentro e fora do presídio com os familiares. É uma maneira diferente de solução de conflito. Existem países que estão fechando os presídios por causa da implantação da Justiça Restaurativa que é completa e funcional.
Dacom: Como a Pastoral Carcerária atua em Brasília, dentro do poder público?
Irmã Petra: Em Brasília a gente trabalha com incidências políticas, que se refere à mobilização organizada da população para influenciar a formulação de políticas públicas e decisões governamentais, principalmente na questão da pena justa. O Conselho Nacional de Justiça está fazendo um grande projeto, um grande plano para humanizar os presídios e a Pastoral Carcerária está presente nessa discussão para trazer mais remissão por leitura, trabalho de verdade, com profissionais sérios, atendimento digno à saúde, e, também, com mutirão carcerário, para diminuir o tempo de espera pela sentença, porque tem muitas pessoas presas provisoriamente, além de muitas prisões ilegais. Essa é a nossa tarefa como Nacional, junto com a CNBB, as Pastorais Sociais, temos muitas articulações e ajudamos nos estados, por exemplo, até um tempo atrás, era proibido celebrar Missa no cárcere, por causa do vinho, que era proibido lá dentro, por ser bebida alcóolica. A Pastoral Carcerária e a Coordenação Estadual organizaram-se e conversaram com os bispos da CNBB Regional, e foi feito um pedido, um ofício para o Secretário Estadual. Com muita conversa de quase um ano, a Secretaria do Sistema Penitenciário de Minas Gerais fez uma Portaria específica para a Pastoral Carcerária entrar no presídio com vinho para celebrar a Santa Missa.
Infelizmente, essas restrições são desnecessárias e estão aumentando bastante, mas é algo que a gente tenta ajudar.
Dacom: E os casos de assassinatos dentro dos presídios?
Irmã Petra: Nesse caso, é uma ação para a Justiça Restaurativa fazer o trabalho, um processo de respeitar a todos, principalmente as vítimas. Nós não somos policiais para apurar os casos, mas a gente sabe que o presídio é violento e tem muitas violações. Os grupos e as organizações criminosas que lá existem são inimigos e tentam se separar, mas ficam juntos em celas escuras e mal ventiladas, estressados e com uma carga altamente violenta, inseguros e que não se conhecem totalmente.
Cada um traz a sua história e essa história é de muita violência e de muito sofrimento. Não dá para falar que ali tem reeducação e ressocialização, por isso a prisão não resolve a violência no Brasil. O Brasil é o terceiro país do mundo que mais encarcera, e a violência no Brasil melhorou? O exemplo não funciona, prisão não resolve a violência.
Para encerrar as atividades, no sábado, dia 31 de maio, no Centro Arquidiocesano de Pastoral, em Mariana (MG), Irmã Petra ministrou uma formação sobre o objetivo da Pastoral Carcerária. Estavam presentes 60 agentes missionários da Pastoral e representantes das regiões pastorais da Arquidiocese.
Texto introdutório à entrevista: Magda Oliveira – Adaptado.
Fotos: Magda Oliveira e equipe do Complexo Penitenciário de Ponte Nova.
Veja, abaixo, alguns registros fotográficos desse momento especial de evangelização: